terça-feira, 5 de janeiro de 2016

E pronto

Olhava-te com olhos de quem se esqueceu que os tem.
Ainda penso no que vi e nem acredito, sabes?
Como eras quando eras, De onde, De que pecado?

Deixavas-me exausto e sonâmbulo para o que viesse
- Vontade de mudar mundo pós-filmes, pós-saltos -
Dormia aos pedaços, não dormia.
Dormia no pedaço e enrolava no teu lençol o teu medo,
Rebolava na mentira, e porque era mentira bonita, deixava passear.

Era tudo um pela-primeira-vez-antigo. Para deuses, sabes?
Uma ternura sem dono, uma inveja dos espaços entre nós.
Era a telegrafia das horas, os passos-tambor, o fumo da manhã.
Era o desaprender de todas as linguagens.

Vi-te atacada por ti e deixei-vos lutar.
Tinha perdido o meu monstro próprio numa das garrafas.
Reclamei da mortalidade por puro capricho. Morre-se de ti.
E é tão bom que eu rio tolo-renascido, a respirar exagerado.
Um carpinteiro de recados discreto que o sonho fica de vir buscar pela noite,
mas facilita.

Não compreendi as dores disfarçadas de século, sabes? Nem o fio, nem o rosa.
Não compreendi o perfume, nem o brinco, nem o pescoço, não ainda.
Nem porque o passado, sem ter coração, tem duas mãos gordas.
Não soube, sabes?
É que te olhava com olhos de quem se esqueceu que os tem. E pronto.

(2012)

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