terça-feira, 9 de julho de 2013

Mundo

O mundo é um amor
que não desencana,
que não desengana, não tenciona parar.
O mundo é todo ilusão,
mas tem um perdão:
levou sete dias a criar.

O mundo era uma vez,
não somos nós, são mais três
e um cachorro a miar.
O mundo é refeito
na tua mão
e não tem intenção
de te abandonar!

(2011)

O que queres ser?

O que queres ser?
Uma princesa, um jardim, uma espera?
Uns brincos tal e qual força-nova primavera?
Uma cartomante sabida, especialista em passados?
Uma vendedora de caixilhos sem foto e usados?
Uma artista do cinema toda preto e passadeira,
ou Sininho de neve, cinderela-burralheira?

Uma soma de portas e chave de uma só,
Ou calendário quem tem graça: que é futuro e que é pó?
Uma bailarina dos olhos, com lágrimas nas pontas?
Uma senhora de chocolate como aquela que me contas?
Uma virgem assustada com tamanho e com vigor,
Ou pedinte embriagada, que não pede mais que amor?

Queres ser o par da dança quando a valsa quase acaba?
Queres ser a via em carne que é cama que desaba?
Queres ser uma cantora, arrependida verso a verso
Ou ser a salvadora desta mão-meia-universo?
Queres ser pirata antiga a gritar por peter pan?
Ou então doida varrida toda praia e toda lã?

Queres ser cinco cidades, impressão-vidro-molhado?
Uma dentada ainda maior quando derrete o gelado?
Queres ser trapezista e ficar em exposição,
Ou um mimo de bancada a torcer pelo irmão?
Queres ser nuvens de beco, de putas, que se lixe,
Ou um puto que se odeia, mas a gente diz que é fixe?

Queres ser sacerdotisa, caipira de beber,
Ou então ideia-todos, queres ser sem escolher?
Queres ser a minha amada, preferida, tudo e sonho?
Ou aquilo que não leio, mas me dizem e suponho?
Queres acabar com a morte ou é melhor renascer?
Queres dizer "um beijo agora" ou mentir para viver?

(2011)

José e Pilar e Emma

Fui ver José e Pilar ali ao lado, onde há florista. Não sabia que além das flores incríveis havia assim cadeiras de ver amor e humanidade, subidas de montanha, noites boas.
Na saída comentei chegada de táxi com pressa de ramo e um senhor das flores – que quase juro ser o senhor do cinema – a fazer malabarismos e magia para eu poder continuar a correr.

Não lembrei para quem eram as flores e depois, lembrei. Claro. Mas na hora não lembrei, e isso não sendo tudo é bastante. Tipo que adora flores, que adora dar, já não dá flores há muito e da última vez que deu, além que eram de fogo, não lembra nada.

Eram para a Emma. Para a tarde em que revi a Emma e já era martelinhos divididos em oitenta e oito, com promessa de tudo. Eram para uma Emma igual, mas melhor ainda. Um olhar orgulhoso e maciço sobre o mundo e o azeite e os castelos. Um quase sorriso que o som nos sorrisos quase desenha.

As flores – bendito senhor do cinema – disfarçaram o meu atraso e o meu espanto de menino. E isto foi muito antes do chá, muito depois da feijoada, muito antes do espumante, muito depois da primeira saudade.

Sou leitor do José Saramago e devedor que não vai pagar nunca. Mas o José, com tanta dedicação ao amor não foi o escritor do amor. Não que não tenha escrito sobre ele, que escreveu. Escreveu sobre a profunda humanidade do amor e os limites dele em face da dita.

Se eu fosse escritor, ou pianista como a Emma, gostaria de contar das infinitudes do amor, dos mergulhos, dos renascimentos, das impossibilidades que não importam no amor. E isto, não sendo tudo, é alguma coisa.

Valsa-Chumbo

Esta valsa é para fala de amor,
Pra falar de dor, pra falar de ti,
Esta é a valsa triste.

Valsa de quem não sabe dançar,
Não sabe porquê, ou não quer dizer,
Esta valsa não existe.

Esta valsa é para ouvir de pé,
Para ouvir no ar, para quebrar chão,
Esta valsa é só coração.

Valsa só para loucos assim.
Pra fugir de mim e fingir canção.
Esta valsa não tem solução,

Ouve a canção que já chega
Não pares de rir,
Todo o tempo que importa
É o que está por vir.

Adeus adeus fogos. Adeus, adeus todos.
Adeus adeus quarto. Adeus, eu não parto.
Tenho-te a ti, a valsa já é feliz
Sempre quis...

A puta

A Puta

A morte é uma puta. A pior puta. A puta do não prazer, a puta do não. Puta que sorri com os mesmos dentes que trinca. Puta que nunca beija, mas faz de conta, puta que brinca, puta que cheira mal. Puta que não se moderniza, que só muda de roupa quando tem mesmo que ser - Puta que insiste. É das putas mais putas a Puta mais cara – a que tira, sem chocalhar, tudo o que custou a colher. É uma puta que não tem. Mas também não deixa ter.

Puta dura, que não se comove, que não escolhe cliente, mas gosta de ir baralhar a fila. Puta sem chulo, ou de chulo demasiado ausente - eu lá sei de negócios do Universo - puta que faz o que quer.

Puta de rua, de casa, de salão de palácio, de escritório, de vão de escada, puta de todos os lugares. Dir-se-ia hoje puta online. Puta sempre em rede.

Nunca mais digo “puta da vida”. Não há puta da vida, são ramos diferentes, Semelhanças, só no Carnaval do medo e da doença.

Esta puta é um travesti. Joga o jogo, disfarça bem, e na hora, sem quereremos, fode-nos com tudo o não sabemos, mas tem.

Nunca fui às putas, não sei do que falo. Nunca morri, não sei do que falo. Mas Já as vi do outro lado do passeio e já senti a puta mestra a passar de encosto.

Ouve-me bem, e decora pelos milénios: se assim puta e feia como és te der para seduzir um dos que amo, mato-te. Repito: olhos-te nesses olhos com lentes secas e mato-te. Não me canso: esqueço que sou como sou um grande manso: e mato-te outra vez.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Agarrar os cornos


Na mentira inscrita entre o aqui e o acolá
Há um ladrão proxeneta vestido de ali
babá,
Há um vadio que se empoleira para impedir o caminho,
Há um eu sentado que espera, enquanto passa um eu sozinho.
Há cabeleiras de deusas machucadas pelo chão,
Há um tiro de cocaína num abraço quase irmão.
No perfeito alfabeto das certezas dos cretinos
Há suplicas há indefesos, há altares e há sinos -
Há mulheres que dão as pernas, dão espumas afinal
Há qualquer coisa que se cala, enquanto seca o jornal.
Há esqueletos a vomitar carne antiga pelo passeio,
Há coisas que só prometo a paus de santo que não creio.
Na gravata de mafarrico com cheiro de champanhe
Há mil e três que perdem tudo, por um que tudo ganhe.
Há tempestades de escadaria e há palácios de vão,
Há sempre um tolo que é pobre, um policia que é cão.
Há tijolos a voar e há sacos de todas as cores,
Não vás lá que é pecado, nada digas se lá fores.
Nas
putas vestidas de preto a chorar seu fado e ranho,
Há capelas para indecisas, um chulo para o rebanho.
Há vedetas da manhã, há vedetas de ontem à noite
Há pedidos de um jeitinho depois do rabo e do açoite.
Há grilos, há estilos, há gente que não pode mais,
Não somos nós, são os burros, vizinhos, outros que tais.
E a colorir a janela que dá para a rua vazia,
Há o que não sei dizer nem posso, mas já o Camões dizia.´
(2011)

Do mundo

Não sei se alguma vez te disse, mas tens o sorriso mais bonito do mundo.
Sorriso de beber, sorriso de deitar a cara na relva e fechar os olhos, o mais bonito.
Caminhadas, parar para conversar e sorrir do teu no teu sorriso.
Promessas de um dia sermos coisas incríveis, de podermos mudar o mundo.
Poucas risadas, algum juízo, toda a tarde a passar e a voltar na solidão o teu sorriso.


(2011)

Não dá

Não saberia explicar nós os dois. Uma fuga calma do incêndio; a mão no ombro esquerdo a pedir tudo; um sorriso do sofá à varanda. Quando quiseres dizer-me, mulher, onde andam os sonhos, como se voa de costas, de que maré vem o teu sal, eu vou estar à espera, logo ali, no primeiro dia depois do beijo.
(2011)

Da vida à voz


Da vida à voz vai um campo cheio de coisas que não se compreendem e só se tocam de quando em vez. Da vida à voz há noites sem dormir e sono sem sonhos, espelhos que nunca se calam. Há passeios, pontes, piqueniques da vida à voz. Há portas que não fecham o suficiente, relvados onde é impossível deitar e um mistério que ninguém quer desvendar, mesmo quando pergunta.

(2011)

O amante que já foi

Eu sei lá porque te quero, sei lá se és linda ou louca,
Só sei que me deixas surdo e que a ti te deixas rouca.
Sei lá porque só brincas brincadeiras de cinema,
Só sei que lixas a sala enquanto eu lixo este poema.
Sei lá se encantas os tipos, as cervejas e os
moxes,
Só sei que tens fama de tudo e tudo tem fama de broches.
Sei lá se essa cara se agita com a suspeita de engate,
Só sei que fica aflita quando o meu tijolo late.
Sei lá dos desafios dessas coisas de ser grande,
Só vi é gente demente a tentar ser gente que mande.
Sei lá porque assobias tão mal quanto cozinhas,
Só sei que te agarro os cabelos e as quenturas são minhas.
Sei lá do que é feito o sumo, o veneno, a prosa,
Só sei que te chega uma lapada, uma lambada e uma rosa,
Sei lá porque afastas da gente com ares de quase perfeita,
Só sei que matas a língua e quando a mordes, bem-feita.
Sei lá se semeias searas, se tens gaivotas no pelo,
Só sei que me mentes mal e que um filho nunca
tê-lo.
Sei lá se te sentes vazia porque te amo ao contrário,
Não me contes, puta, não digas. Eu não sou nenhum rosário.
Sei lá se te sentas de lado por causa do sol que já vai,
Eu só sei que a alma entrou, mas não é alma o que sai.
Sei lá se vestes vermelho porque hoje é dia de festa,
A minha vida é um sonho enorme, tu és só uma sesta.
Sei lá se te mata o destino, ou se me matas a mim.
Escrever mais não escrevo. Já chega mulher. Fim.


(2011)

Há mar e mar

Há um dia em que os homens já não dizem talvez um dia. Dia de já, palmada no ombro, passo largo. Há um dia de portas abertas sem olhar para trás, um dia de sustos felizes, dia de brisa a cortar caminho a qualquer dia que se tente sozinho. Há um dia em que dizer eu amo-te não basta, em que rasgar do caderno é só o principio. Dia em que remexer a sacola a procurar resposta joga mais que dados, que astros, que conchas, que fumos, que pétalas ou céu. Há um dia em que a humanidade cresce nos nossos ombros e nós sorrimos pequeninos e gigantes sem mais nada para provar. Há dias disto. Há dias em que depois de amanhã é tarde, em que a cola descola o que o suor volta a juntar. E assim é, no dorso do tempo. Há dias de chuvas que não vêm, dias de carros que podem ficar, dias de sermos um gesto secreto, há dias de não parar. Há dias nos dias, nas horas-escoras que são só beijo e são só redenção. Há dias que são cicatriz no asfalto, por alto, e pronto-já-quase-pós-pré-ilusão. Há dias em que de mãos dadas deixamos o mundo escapar. Dias de trigo, dias de joio, dias de gritos e misturar. Há dias de suco, de sumo, como dizem: de coisas boas a enternecer sem pudor. Dias de só ter pressa pela carne e, de novo, só sede, só de amor. E então, nos dias mais dias, naqueles que são, que foram que eram do seu, seu irmão, nos dias perdidos quase a acontecer, nos dias assentes para esquecer há dias que matam que não sabem mais: só que o tempo não passa, só passam jornais. Que a guerra é vazia até amanhecer, que isto é tão largo,  quanto possa ser. Nestes dias há um dia, eu espero, eu vi, em que pegamos no mundo. Agitamos em cima, depois para baixo e dos lados. Vemos de perto de longe, driblamos, já está. Juntamos ao microscópio, chutamos para a lua, pintamos de cor-de-rosa, de amarelo, de cara tua. Há um dia em que a morte, mulher, morreu. E a nossa tristeza, e a de toda cidade, são só circunstância.

Ópera

A hesitação no reencontro disse tudo antes da cidade se pronunciar. Éramos o que quiséssemos junto da memória da prisão. Tínhamos a vista enevoada de promessas e confidências e proximidades como ninguém. Vivíamos entre salsa e pimenta e hortelã, numa loucura cubana da Paris. Procurávamos o Sena como a mão direita procura a mão alheira para o borralho. Queríamos tudo, por mais que a coragem nos faltasse e essa vontade sabe a crepe e vinho tinto. Não fomos sempre graça e movimento, ficamos tristes, também cansados, também desapontados com a mortalidade das relações e das coisas, mas sempre houve, naquelas noites francesas, lábios ligeiramente espaçados prontos a serem espanto e anunciação de dia limpo, de conversa que não termina nunca. Subimos as escadas porque tinha que ser, visitamos os restaurantes de outros tempos e soubemos que na praça perfeita o jogo não era para ganhar, mas para fazer tombar. Amparaste a minha desilusão magoada, eu segurei os teus sentidos contrafeitos e o que não fizemos importou tanto quanto o nosso roteiro. Se a liberdade não é isto, esta quentura de alma, de nos sabermos possíveis, viáveis, imensos, então não sei. A cidade é tanto túneis e águas turvas quanto luz. A gente pode passar pode passar por baixo, mas não precisa de mergulhar sempre.

(2011)