segunda-feira, 8 de julho de 2013

Ópera

A hesitação no reencontro disse tudo antes da cidade se pronunciar. Éramos o que quiséssemos junto da memória da prisão. Tínhamos a vista enevoada de promessas e confidências e proximidades como ninguém. Vivíamos entre salsa e pimenta e hortelã, numa loucura cubana da Paris. Procurávamos o Sena como a mão direita procura a mão alheira para o borralho. Queríamos tudo, por mais que a coragem nos faltasse e essa vontade sabe a crepe e vinho tinto. Não fomos sempre graça e movimento, ficamos tristes, também cansados, também desapontados com a mortalidade das relações e das coisas, mas sempre houve, naquelas noites francesas, lábios ligeiramente espaçados prontos a serem espanto e anunciação de dia limpo, de conversa que não termina nunca. Subimos as escadas porque tinha que ser, visitamos os restaurantes de outros tempos e soubemos que na praça perfeita o jogo não era para ganhar, mas para fazer tombar. Amparaste a minha desilusão magoada, eu segurei os teus sentidos contrafeitos e o que não fizemos importou tanto quanto o nosso roteiro. Se a liberdade não é isto, esta quentura de alma, de nos sabermos possíveis, viáveis, imensos, então não sei. A cidade é tanto túneis e águas turvas quanto luz. A gente pode passar pode passar por baixo, mas não precisa de mergulhar sempre.

(2011)

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