quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Não me nasci

Não me nasci inteiro 
Por timidez, desabida, azar,
e para não expor Deus. 

Ninguém percebeu se sim, 
Eu menos, mas nem tanto - 
Aprendemos juntos, maré. 

Disse vontade ali, quem já, 
Fechei os olhos, bebedação, 
Contrariado do efeito, subi.

Na tarde a caixa abolachou.
Eu imitei, sem óculos, e virei
Ladrão de acaso, revendido.

Coisas ouvidas imaginei, mais
Lençol nos ouvidos, permaneci.
Também queria matar

Sentar eu sentei e dizia
Medos na estica, de faca.
Ofereci perfumes colombianos

Ouvi, olvidei, muitas voltas
A contar com contrato:
O que se pode ter, terei.

Encontrei pessoas, cabelos
Silêncios de cima d´água,
Tripés montava a sorrir.

Longe tudo, achei o sol
Tinha vinho e dormida este sol.
Nem sempre se manda na cor.

Profetas busquei, ainda:
Nada de tanto além da morte.
De galho em galho se voa.

Pedi à Ginástica de cada dia
- Traz-me uma sombra, amor.
Ensina-me a primaverar

domingo, 10 de novembro de 2013

Valsa do sim

alsa do Sim

Sim vieste assim
Sem perguntar
Ao meu lugar
Perder o fim

Desperarar
Minha lição
Minha tristeza

Sim vieste assim
Sem nem esperar
Ser o meu par
Pó de Aladin

Desperarar
Meu deixa estar
Minha certeza

Copacaba em flor,
Por onde for
Hora da estrela
É Já
Mais que um instante
Tempo Elefante
Em tom maior
Se der
Maré do Rio
Nesse assovio
De sereia a mulher

Sim viste assim
Sem querer dar
Cristã de bar
Benção de gin

Despreparar
Meu sonho ateu
Minha esperteza

Sim vieste assim
Sem me chamar
Ser o meu lar
Teto carmim

Despreparar
Meu mapa adeus
Minha proeza

Copacabana em flor,
Por onde for
Hora da estrela

Mais que um instante
Tempo Elefante
Em tom maior
Se der
Maré do Rio
Nesse assobio
De sereia a mulher

Quando era criança

Acho que quando era criança não gostava muito de crianças. Preferia estar perto dos adultos. Daquelas conversas na madrugada, eu no sofá, daquele passado com pianos a preto-e-branco e castanho. Daqueles adultos super-heróis de capa, espada, voo, raios, e dos capazes de mudar o mundo só de olhar as estrelas ou adivinhar átomos. 
Saí da criancice para gostar mesmo só das minhas crianças. Caetano Veloso a adormecer o Pedro, vaca-urso para chegar perto do Francisco. Às outras crianças olhava como quem olha o septuagésimo quadro num museu londrino. É que as outras crianças não podiam chamar ditador a Platão ou desiludir-se com o Kundera mais recente, além da agravante: Pairava um nevoeiro no tecto, no olhar dos outros sobre mim perto das outras crianças. A ameaça de que um dia aquelas crianças viriam viver na minha casa, rasgar o jornal por ler, fazer sons muito agudos, quebrar a corda ré à Maria.
Entretanto, nos últimos anos, abobalhei. Sem chegar a ganhar muito jeito para, mas abobalhei. Não sei se é do relógio, mas sei que não tem hora. No elevador olhando pro chão, no colo da empregada, no carrinho-padaria, na foto-surpresa, na chuva a abrigar-se, na entrada do prédio em trio, com as primas. Que criaturas mais lindas, escancaradoras de sorrisos, relativizadoras de ideias, campeãs do sol. Pior: amparo a queda, rio sem provocação, digo coisas com voz diferente, pego ao colo só por pegar, pergunto sobre jogos e dou parabéns aos pais. 
Tenho testado a origem: será do sotaque, será da saudade, será de ir morrer um dia. Sempre o mesmo resultado: simples abobalhamento agudo, quem sabe se crônico, sempre feliz.
Escrevem que não mudamos mais a partir dos nossos cinco. Pode ser. Até o dia em que começamos a mudar com os cinco deles.

Uma fractura

Localizei uma fractura no nosso sonho mais recente. Está ali bem ao lado do prato que não pedimos, frente ao senhor que olhaste um pouco demais e explicaste atrapalhada, por debaixo da mentira que te menti pela terceira vez, por não haver como a verdade. 
O tratamento não é simples nem há quem diga que sim entre os amigos. Esperar que o tempo endureça o caminho de a gente-quereria-microdistãncia ou, que o leite que não bebo há vinte anos dê teta, ou que a flor que já não usas se reproduza no beiral. Já ninguém tem a certeza. Queremos acreditar.
No mínimo tirar as lentes, limpar o suor escondido, e procurar sombra. Não podemos viver mais exilados das nossas coisas pequeninas, por mais pequeninas que sejam, em tempo de gesso e descanso e palavras de incentivo à toa, amor. 
Talvez aceitar calças rasgadas, e o que está na gaveta e ninguém reclama, e reconhecer que o champô abandonado na birra mereceria todas as chances, porque dura e é melhor. 
Localizaste outra fractura, logo a seguir – perita – a gente acredita – muito antiga quase impessoal. Um verso repetido, um regresso agitado para o bolso, um convite fora da composição química, um astro demasiado confiante numa sala tão austera. Tudo bem. Ou tudo mal. Veremos. 
Para já, o que corre no sangue: que é querer-te mais que tudo. Depois o que vai na pele, que não é na pele_ arrepio de pensar-te pior. E mais. Tu sabes melhor que eu.
Duas fracturas. Micro. E já dois filmes, que como filmes, têm fim.

No dia em que te esqueci

No dia em que eu te esqueci falei contigo de coisas da vida e calei raivas minúsculas.
Lá fora não chovia, o que é bom sempre, e fiz coisas até tarde - o que é mau para o dia seguinte ao dia em que te esqueci.

Olhei uma montanha de livros que nunca saberei, de vidas próximas por beijar, de distâncias que sobem e descem por pedalar, e foste. Cheirei o perfume e gostei de novo, cheirei o vinho e percebi porquê, deixei a chave noutra mão - já confio.
Lembro perfeitamente da roupa que não pude trazer, da foto de que fugi enquanto não fugi de ti , nesse minuto em que te encarei e achei bonita-inteligência, e divertida, e nobre e desadequada à minha morada.
Na morada tem que viver quem fica à vontade, e chora e adormece durante filme perfeito, partilha pensamentos absurdos e quase morre de dor com grandes injustiças. Namorada tem que viver quem não faz sentido para todos, quem não moraria nunca num sentido só.
No dia em que te esqueci ,comecei uma coleção se desabituou rápido e ganhei um espaço que daria para criar gado, flores e luz. Achei maravilhoso se tivesse sido para ser e sorri só meio triste porque não foi.
Reli a lição do Miguel, talvez pela quinta vez. Achei a mais sábia de todas.

(2013)

Sabemos lá

Fazer certo não é fazer bem.
Coisas diferentes. Inimigas, há dias.
Veio um Senhor explicar isso.
Que a justiça não é tudo.
Que o amor e a bondade são o que vale
Não no fim - sabemos lá do fim -
Mas durante.

(2013)

Gostalactite

A nossa gostalactite
É mais pontiaguda que nosso verbo doçurento,
E fica no tecto-tento do espanto
A proteger-nos da maldade das estrelas.

(2013)


Só eu te vi

Dois saltavam pelo sangue, todos saltavam por um, e só eu te vi.
Trazias vestida a minha espera adolescente, e olhavas para longe dali nessa linha reta de labirinto que só agora conhecemos. Garanti casamento à tua amiga, fui quieto e sem pressa no pedido, deixei a batucada chegar, avermelhar e ir embora. Quando a manhã parecia só uma manhã, Copacabana autorizou que passasse, Nossa Senhora concedeu que me encontrasses, o Tio Woody desculpou tudo o resto e o molho, e o pó des-calças, e a escadaria.

Antes, também depois, do primeiro sono, merda virou poesia, e um riacho fazendeiro interrompeu o segundo adeus. Se soubéssemos nunca adivinharíamos.

(2013)

Astrolábio na Mão

Nunca mais saberei dizer de astrolábio na mão o que mais me comoveu em ti. Se a lagoação na chegada, se o espaço entre as risadas, se o sim certo antes de todos os nãos. Talvez o sonho, pela rua, a recuperar no meu peito.
Nunca mais saberei dizer com verdade, por que te preciso ademais ontem. Se de condenado a um amor com cafeína, se confundido pela evidência do branco, se acantonado na porta de cada espera. Talvez porque ainda há um elástico esquecido debaixo do mundo.
Nunca mais saberei dizer sem perguntar, quem era mesmo antes de ti. Quanto tempo se leva a cozinhar e revirar o sorriso, que papiro guarda a premunição final. Que é que se dá por aí, nos amigos de sofá, no canto de Feira, na bebida errada, na perdição certa, na vida de costas, que rebola subatómico mas nem assim dá para esconder.

(2013)

Gosto do Porto

Gosto que o Porto seja, assim, pequeno de atravessar as memórias completas em passo marcado, e que bom o frio de puxar menina para perto sem pedido ou oferta.
Gosto que o Porto tenha tempo. Tempo para trabalhar, para almoçar, para criar bares e museus antes de tempo ou para atrasar as loucuras da pátria. 
Gosto que o Porto tenha a dúvida na ponta da língua, alergia ao exagero e confiança amiga até que. 
Gosto de andar pelo Porto e de gostar das pessoas do Porto. De quem no Porto me dirige no mercedes com nostalgia de ditadores, ou me traz mal passado o bem querido, ou me conta vidas bem além da conta. Nada disto é de melhor ou de pior no Porto. É de preferência. 
Gosto da traquinice da abordagem no Porto. Raramente imediata, censurada pela malta, e sempre com um fundindo de vergonha ou de garrafa - o jeito da gente se declarar sempre para sempre muito antes de concedida a mão e afins. 
Gosto dos homens cultos do Porto. Uma cultura de língua esculpida, contundente, longa para as homenagens, seca para o protesto. Gosto dessa memória dos heróis geracionais - os que contam mesmo - o Zé, o Óscar, o Carlos que já nem está entre nós. Dos que se comovem tremendamente quando tem que ser e viram a cara por educação.
Gosto da relação zangada que temos com um tempo que não é tão mau assim: os de outros lugares sabem e preparam-se, os estrangeiros nem reclamam. Mas a gente não se conforma: que merda chuva, caralho. É que nos chateia a perda da possibilidade. 
As ruas do Porto são estreitas, quando são, mas a coragem ali é larguíssima. Gosto desse sangue na guelra, respiração de quem está preparado sempre para a guerra que venha, e por isso mesmo se senta com os amigos ou com os filhos ou com a amada, olha todos nos olhos e come descansado. 
Gosto do Porto que me permite este tipo de inocência depois de o alugar oito anos, depois de o esperar dezanove, e depois disto.
Ainda fico muito nervoso com as mulheres do Porto. Parecem-me que sabem tudo o que é preciso saber e não perdoariam. 
Gosto do Porto porque não é preciso dizer carago, nem é preciso comer sardinhas com cabeça. Não digo nem não como. Gosto do Porto porque me deixa voltar.

(2013)

Vim ter contigo

Que tragédia cheirosa este chegar caído de saudade, chamego e sono para o teu banho a esfriar. Vim de juntar cacarecos, sabes, para contar histórias de lembrar de ti. Vim de esperar na chuva miúda no banco – e se não te vejo, coração adolescente a repetir correrias da infância.

Vim de te ouvir aos poucos, e te dizer quem sou e te ver florir na época sem jeito. Vim de pedir emprestados, roubados, conquistados, alongados os teus olhos para rever o que há aí nas ruas dos homens, nos degraus por amor, nas ideias de Deus. Vim de escolher ser só antigo para o que temas, (te encostar no relógio do cravo), e só assim quando não tremas (tudo chocolate e maravatu e fubá). Vim de achar o mundo pequeno nas mãos pequenas, de despir insónias por teimosia, de alargar semente com a língua inteira. Vim de sonhar com acordar.

Vim de verter espuma ocidental do vidro corado até ao teu sorriso. Vim de cultivar maçã que arde e vai, que cura quem nem precisa. Vim de estudar todas as razões para dizer não. Vim ter contigo ao sim.

(2013)

O maior perigo

O maior perigo é não ir. Não acender o pavio da coisa a ver se dá. Não se sentir que se está vivo e se quer estar um pouco para sempre, se faz favor. É o maior perigo.
O maior perigo é virar a cara, baixar os olhos, engolir a saliva. O maior perigo é não permitir que o outro nos interesse como nos interessa aquele filme em que a gente chora ou ri à gargalhada e repete todos os anos. Maior perigo é ficar demasiado tempo sozinho.
O maior perigo é não beijar o que se gosta na boca, com língua em twist em skroll, salsa-jazz, sei lá. O maior perigo é o grande esforço de acreditar em coisas que sabemos desde os cinco anos que são merda aos quadradinhos, que são muleta para corredores de cem metros, que fazem sentido zero.
Maior perigo é deixarmos badalar conversas onde todos opinam, castram, incendeiam e nenhum se sente bem. Conversa que continua quando a bexiga aperta, a garganta fica seca, a paciência acaba. Esse despejar de veneno no rio só porque dá jeito ter uma tribo.
Maior perigo é o orgulho. Se não me coisa não coiso. Haja juízo!! Ainda se fossemos tartarugas!? Mas estas vidas curtinhas em que só mandamos depois de uns 25 ou 30 ou 13... Não dá para não dar mais do que se espera receber. Não dá para não sorrir apesar de tudo. Não dá para não querer saber de quem era tudo ou tanto ou muito ontem à tarde.
Maior perigo é carregar nas costas dores dos outros, da humanidade. Esse compadecimento por todos nós que não traz nada a ninguém. São tantas tristezas em tantas curvas, essas mortes, essas desilusões, esses acasos frios, que maior perigo é não sair de peito feito. Maior perigo é não ser super-herói. É esquecer-se de estar em contacto com o que nos faça esquecer o resto. É deixar de salvar a menina que pede socorro só porque a menina está longe, ou está trânsito ou passou da hora decente.
Maior perigo é abandonar essa divindade que nos corre das veias, nos embriaga no colo, e nos salta em cuspidelas distraídas quando falamos com amor e saudade de quem amamos tanto.

(2013)

Mau humor

Se o mau humor for sem sentido
Entra no dia em contra-mão.
Se o mau humor for dor de ouvido
Já nem te dou opinião.

Se o mau humor for de saudade
Queixa-te só em estrangeiro.
Se o mau humor for de verdade,
Pedro e o Lobo o dia inteiro.

Se o mau humor for de garganta
Teu beijo coco faz-se mel.
Se o mau humor for vida Santa,
Pinta o quarto cor bordel.

Se o mau humor cair da fé
Compra silêncio até curar.
Se o mau humor parar na Sé
Faz desta cama o novo altar.

Se humor for de repente
Compra um velhinho em promoção.
Se o mau humor de serpente
Perde a cabeça até mais não

Se o mau humor for mal de amor,
Poupa na espera e na poesia
Se o mau humor for de voltar,
Fica na Lua até ser dia.

(2013)

Pela Cidade (Thais Nicodemo e Roberto Leão)

Acaba não dormir
Acaba nunca vi,
Acaba transgostar
Acaba sou só de ti.

Acaba a voz do plim
Acaba tu inteira cá
Acaba tri-querer
Acaba aqui no já

Mas não acaba o nosso amor
O casario esconde a dor
O Douro ainda chama por nós assim
Se já não vivem sobram mais
Promessas, línguas nos umbrais
Ficou amor pela cidade

Acaba compreender
Acaba encontração
Acaba desmorrer
Acaba esta canção

O Douro ponte a ponte
Deságua mais que em fronte
Pensamos ser pra sempre
Por ser tão diferente
Destaca a lua inteira
Traz para a minha beira
Desliga o teu cansaço
Fica mais neste abraço

Acaba não esperar
Acaba amanhecer
Acabou de voltar
Acabará por ser

(2013)

Nestes dias

Nestes dias de outro cheiro ventado
Vamos emigrar para uma estrela
Destratar as memórias por faltar tanto ainda,
Brincar de quem sorri por último sorri de cor.

Nestes dias de muita estrada e calo,
Vamos semear tempo no cobertor, à janela,
Provar com poucos, anotar tanto
Ser sonâmbulos, mão siamesa e cigarro.

Nestes dias de todos os santos, se minas,
Vamos eleger novas casas de acordar
Desalojar o medo, pixar a sorte - sem dó -
Viver escondidos da filosofia.

Nestes dias de adivinhança verde e branca
Vamos imaginar a saudade americana
Entrançar a poesia ao ponto para mais,
Treinar respirações, chocolate e o limão.

Nestes dias de puxar e chupar o sim
Vamos brindar no escuro das águas
Habituar o medo a mijar só no poste
Reconhecer os pedidos da escuridão.

Nestes dias de orquídea e troco – se sinal
Vamos encostar a alegria à parede, exigir dela,
Compensar a liberdade com coca-cola,
Infestar-nos bolas e rosa, essa antiga ousadia.

(2013)

Noite de verão

Noite de verão – a gente nem olha
Mas sobe, perfuma a língua, escorre espelhos.
Não é noite noite porque não termina.

Dispensa lua e flores, disfarça medos,
Não tem chão nem precisa.
Senta-nos no desejo a naufragar.

Diz que a primavera é tia cigana
E que o destino só é metade maré.
Se nos devolve uma prece, silencia.

Se nos abraça com força, fecha os olhos,
Acredita que somos imortais por vício,
Prolonga beijolências suicidas.

Cheira os açucares da terra inteira,
Parece que chegou da festa primeira.
Perdoa-nos a roleta e tanto amor.

(2013)

Saudade

Saudade é um lugar
Onde estão os que amo e os meus sentidos não
Onde falta medida certa para a dor
Onde a felicidade é no escuro
Onde se acorda de cansaço.

Saudade é um lugar
Onde fica o que nem espero e já, enfim, se atrasa.


(2013)

sábado, 9 de novembro de 2013

Uma flor nesse Rio

Explodiu uma flor nesse Rio. 
Desse frio explodiu nova flor. 
Pétalas azuis, nariz vermelho, 
febre antiga, paredes cinzentas. 

Pousam rainhas, contra-regra, não vive dela ninguém. 
Caule beijado antes do tempo, 
raiz de vidro e apagão também. 
Explodiu nova flor e rio. 
Neste Rio seja lá o que flor.

Coisas largas


Sempre quis dizer coisas largas, 
para poder caminhar em areia quente ,
e voar no meio da discussão, 
e fazer crer nas sombras chinesas.

Sempre quis fazer da árvore outra coisa, 
para trazer as sardas aqui ao pé, 
para esconder o ciúme no ranco mais alto,
para deixar o destino viver. 

Sempre quis olhar além do quintal, 
para comer pão com ovo , proibidíssimo, 
para descobrir as tensões de novo escuro, 
para calar o recreio exagerado.

Sempre quis gostar dos bichos, 
Para reconhecer olhos de ternura,
Para abraçar sem medo de partir,
Para escovar as migalhas do sonho. 

Sempre quis mandar no batalhão,
Para usar só a voz e o gesto,
Para salvar quem quisesse ser salvo,
Para ir dormir com certezas e depois.

Sempre quis aparecer ao teu lado,
Para ouvir os sussurros sem querer,
Para sentir o pulo de veia em veia,
Para confundir o pão, a água e a tarde.

A gente não controla

Engraçado como a gente não controla
Não segura
Não olha do cimo do Empire State
a gente não pode.

Que coisa bonita,
Puta cor:
Tanta história para aqui chegar
E tontos como nos primeiros dias.

Tão simples na complicação:
muito medo, quanta vontade,
Mea culpa. Peço desculpa, consolação.

Não dizemos porque sim,
Só fazemos pelo nim,
E a brincar às escondidas malhamos o tempo.

(21012)

Não posso

Não posso dizer-te. 
É claro, redondo, vida inteira
E não da para enviar
Não dá para lutar 
Não dá para abraçar mais.

Não posso buscar-te
É neceessário, obrigatório, sorriso todo
E não dá para torcer
Não da para crer
Não da para arrombar a porta.

Não posso esperar-te.
É daqui a pouco, de sempre, da casa,
E não dá para tremer, 
Não dá para esquecer,
Não dá para fazer de conta.

Não posso ajudar-te.
É urgente, é fácil, é bom.
E não dá para descolar,
Não dá para morrer,
Não dá para andar descalço.

Não posso ser-te
É calmo, é grátis, é feito de areia.
E não dá para imaginar
Não dá para ficar.
Não dá para ir nas ondas.

Não posso ver-te
É espirro, é cor, é risada
E não da para virar
Não dá para entender

Não da para viver o dia.

(2013) 

Fico quieto

Fico quieto, calado, rodin,
A bicar o passado, 
enquanto tratas de passar.
Fico inventando ruído
Perto do teu ouvido
Para não me envalsear.

Fico gelando nova China,
Brincando de adulto traquina,
De comover multidões.
Enquanto dás a risada,
toda linda namorada 
Para mais dez corações.

Fico pensando não posso,
Só Adeus é o nosso troço,
Só verdade cabe aqui.
E enquanto abraço o amigo
E até festejo contigo
Choro em verso que perdi.

Quando te topei

Quando te topei estavas atenta à tarde disfarçada de manhã. Trazias os medos na bolsa, ameaçavas caminhar e sorrias, acho. Não pensaste a cidade feia, nem quente, nem bonita. 
Pediste ao contrário o meu dia de todos os dias, dobraste o abrigo e embranqueceste a pompa. 
Demasiados anos passaram até poder ver a beleza das coisas como tu, ou a maldade das intenções ou as diferenças do povo. Naturalmente, colocaste um lado de pé e o outro sentado - como deve ser no mundo da primeira vez.

Vou aprender um amor devagar

Vou aprender um amor devagar
De viagens a não combinar
De não prever restaurante
De não preparar para a tristeza
Amor de ser assim, só.

Vou aprender um amor de-va-gar.
De olhar pela janela e rir
De ir à língua sozinho
E e enfrentar multidão com pipocas
Amor de beber coca cola.

Vou aprender um amor de vagar.
De colocar perfume para mim.
De não tentar tanto até que sim
De me desRomeuzar. 
Um amor de todos os dias.

Vou aprender um amor devagar
De maré por três luas
De belezas que não só tuas
De ficar despenteado. 
Um amor sem demasiado cuidado. 

Vou aprender um amor devagar
De estação cizento-ouro.
Estação de qualquer trem
Porque hoje já nem tem
Pressa de partir ou chegar.
Um amor sem os rituais do amor.

Respirando fundo. Devagar.

Não desconsideres

Não desconsideres já a hipótese de casar comigo. Pelo menos não até sábado à tarde. Tem concerto do Chico e no momento futuro é provável que querias agora, e pronto.
Se respirares fundo, depois do exagero e da piada-deus-nos-livre, há uma probabilidade simpática de felicidade a transbordar até o Chile. É que, não tenho tantos defeitos como já tive, e engordas com delicadeza os truques que guardei-adolescência.
Ainda tens o texto do namorado-liceu-bloco-a-ou-c-sei-lá para te lembrar de quem és mesmo e que me queres, certo? Pergunta à tua irmã. É ele? Ela dirá não-inveja, e saberás: sou-és-mesmo-eu-ele. 
Ah, que delicia. Vou preparando os meus amigos mais próximos para choque: Princesinha de cima a baixo, sem mania de quinta filosofia, e com um sentido de humor péssimo. Balança o quadril enquanto olhas para a rua, cresce essa erva daninha que fica bonita numa decoração moderna, e arranca a ideia de um tipo ideal. 

Se esperares até sábado à tarde, rezares muito, e não poupares as porcarias do passado, por aí estarei, para grelhar os teus sentidos, para iluminar a tua boca seca, para abanar a cabeça quando ficas pessimista, para caminhar sem pressa, porque faz calor.

(2013)

Prepara-te para ser feliz

Vá, prepara-te para ser feliz já depois de amanhã - no segundo encontro entre o que escolheste e o que escondi. 
Vem como queiras, mas assim bem solta, soltura matinal pela noite, e só não me olhes demasiado tempo, que te caso num instante!
Dribla a minha preocupação infantil com as tuas risadas seguras, descruza a perna na calçada a falar do jardim. Juro que disfarço o ciúme debaixo da xícara. 
Quando eras mais nova não eras assim tão irresistível, sabes? Procuravas muito e não sei quê e pinturas. Agora, vem de vestido ou de calças ou ai jesus, que te pego a mão-distraída e digo assim: vamos?
(Nova York passou por muito para nos receber assim,  É coisa rara e dura para preparar. Senhores a fazer crescer árvores e betão na mesma semana). Não resistas além do que é pudico-fundamental e beija a nossa espera de cima a baixo. 
Dança ligeiramente enquanto esperarmos pelo nosso nome - que vergonha-orgulho tesão - baixa os olhos com a piada do rapaz do balcão, e rasga o bilhete que anda na tua mala há três anos.
Se tiveres tempo e te lembrares, contraria-me sempre. Tinha direito a uma única decisão acertada na vida e já está. Já depois de amanhã, nós dois.

Sei de um lugar

Sei de um lugar onde nos encontramos de novo,
A bater com as cabeças, 
A desligar as janelas,
A desperdiçar medos antigos.

Sei de um lugar onde nos encontramos de novo,
A beber o principio de tudo,
A contribuir para o fim do mundo,
A ouvir histórias do outro.

Sei de um lugar onde nos encontramos de novo,
A negociar paciência,
A dizer tens aquilo no dente,
A preferir hoje a sempre.

Sei de um lugar onde nos encontramos de novo, 
A comer primaveras à colherada,
A imaginar que talvez funcione,
A dar beijinhos na cara.

Sei de um lugar onde nos encontramos de novo,
A fuzilar de humidade o pescoço,
A azular o pijama cinzento,
A cantar canções de adeus.

Sei de um lugar onde nos encontramos de novo,
A abanar o que importa até que caia,
A fazer debaxo da mesa casa,

Um lugar onde nos conhecemos e achamos graça.

(2013)

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O tempo


Engraçado como a gente não controla

Não segura
Não olha do cimo do Empire State
a gente não pode.

Que coisa bonita,
Puta cor:
Tanta história para aqui chegar
E tontos como nos primeiros dias.

Tão simples na complicação:
muito medo, quanta vontade,
Mea culpa. Peço desculpa, consolação.

Não dizemos porque sim,
Só fazemos pelo nim,
E a brincar às escondidas malhamos o tempo.

(2013)