Acho que quando era criança não gostava muito de crianças. Preferia estar perto dos adultos. Daquelas conversas na madrugada, eu no sofá, daquele passado com pianos a preto-e-branco e castanho. Daqueles adultos super-heróis de capa, espada, voo, raios, e dos capazes de mudar o mundo só de olhar as estrelas ou adivinhar átomos.
Saí da criancice para gostar mesmo só das minhas crianças. Caetano Veloso a adormecer o Pedro, vaca-urso para chegar perto do Francisco. Às outras crianças olhava como quem olha o septuagésimo quadro num museu londrino. É que as outras crianças não podiam chamar ditador a Platão ou desiludir-se com o Kundera mais recente, além da agravante: Pairava um nevoeiro no tecto, no olhar dos outros sobre mim perto das outras crianças. A ameaça de que um dia aquelas crianças viriam viver na minha casa, rasgar o jornal por ler, fazer sons muito agudos, quebrar a corda ré à Maria.
Entretanto, nos últimos anos, abobalhei. Sem chegar a ganhar muito jeito para, mas abobalhei. Não sei se é do relógio, mas sei que não tem hora. No elevador olhando pro chão, no colo da empregada, no carrinho-padaria, na foto-surpresa, na chuva a abrigar-se, na entrada do prédio em trio, com as primas. Que criaturas mais lindas, escancaradoras de sorrisos, relativizadoras de ideias, campeãs do sol. Pior: amparo a queda, rio sem provocação, digo coisas com voz diferente, pego ao colo só por pegar, pergunto sobre jogos e dou parabéns aos pais.
Tenho testado a origem: será do sotaque, será da saudade, será de ir morrer um dia. Sempre o mesmo resultado: simples abobalhamento agudo, quem sabe se crônico, sempre feliz.
Escrevem que não mudamos mais a partir dos nossos cinco. Pode ser. Até o dia em que começamos a mudar com os cinco deles.
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