sábado, 15 de março de 2014

Pé a pé

Não tens medida - pé a pé - do meu gostar-te porque nunca te viste a dormir dizendo, a virar, e não virar, a contar histórias. Não tens ideia da coisa porque nunca olhaste o teu primeiro sorriso na manhã, o jeito compenetrado com que sopras o café, mais essa dança tua de sentir longe e chegar perto, doce. Não tens mapa da avenida, porque nunca cheiraste o desejo atrás da tua orelha, nunca te viste de surpresa ao voltar a casa, nunca mentiste o querer-te para não assustar de tanto. Não podes compreender porque não podes ter ciúme de ti assim, nem ver-te subir os séculos de shorts e azulejo, nem acompanhar a contracção das sobrancelhas testemunhando a injustiça.

Não ligas a palavra dos poetas grandes à grande palpitação, porque não provas o teu pescoço de banho e cansaço, não alinhas os olhos tortos pelo enamoramento certo, não te buscas perdida no elevador, mão, não inventas gestos para te acalmar as costas. Não recebes o teu beijo de até já, e não inchas de arrepio, mundo, carne, vento quando, do outro lado da noite, até pareces minha.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Segredos teus

Pedi e nem guardei
Olhei mas esqueci
Não sei se era faz de conta
Se era faz de ti

Pedi e já nem sei
Negar o que aprendi
No último segredo
Nadei e me perdi

Não há histórias só de ontem
Não há histórias só de rir
Perdão
Somos inteiros dessa soma
que não some por dividir

Abre a janela peco só
Abre o silêncio vou por aí

Pedi e anotei
Medos com que cresci
O próximo segredo
Será nosso álibi

Publicação

Publiquei debaixo do teu ouvido
Um pedido de jabuticaba - ideias:

Sim, uma noite de escuro, na teia,
A colocar em dia risos clássicos.

Uma caminhada, dores, pela juventude
Nos calos fronteiriços do teu povo.

Uma neve metropolitana a envelhecer,
Os gigantes copiados, ver tudo luz.

Uma noite dita francês improvisado,
A negação das horas e da espera.

Um regresso à cidade que era vossa,
O aconchego da memória em contra-dança.

Um ano de novo pelas ondas,
A doçura de saborear com boca fechada.

Um sentido encomendado destes sonhos
A crença no que não dá para estudar.

Um jardim de sal que podia ser meu, teu,
A missão de salvarmos as campânulas.

Um jeito amigo de ser pode ser nos recortes,
A cabeça esfumada no descanso comum.

Uma escadaria que não vê mas é amada.
Os vizinhos que não ousam já, nem o mundo.

Pela primeira vez

Pela primeira vez
Na estória
Do meu mundo preguiçoso
Olho e anoto:
Vidro com listas de abismo;
Gente seca, meu pé molhado;
Páginas abertas em suplício
E um menino-coroa
De rei em dia de festa.

Um, dois, três, cafés.
Também índia, arte moderna
e Golo.
Espirro para pedir bolo
(funciona)
e fico de sofá aberto para a ideia.

Picolé da cor da saia;
Jardim que não existe;
Muitas mulheres
- anotei.
E quem passa
Nem quer.

Como podem ser zara
as sextas-feiras
Valentim.
Como são caras
As santas.

Principiar

Acabei de nos principiar
E ainda fica quente
O chão, a chance,
A tua mão na minha
curiosidade.
O silêncio dos vizinhos
E de todas as cidades.

Acabei de nos principiar
E ainda fica atento
O medo da solidão,
A chuva suspensa fica
(De não querer distrair),
E um Carnaval enganado é
Por ser só ressurreição.

Acabei de nos principiar
E ainda agora fica longe
A próxima tristeza,
O antigamente das palavras
mesmas.
As dúvidas tentam, mas não,
Entre beijo e beijo.

Ninita

Um dia a Professora Laurinda disse-me - traz a viola - e fomos, primeiro onde havia lareiras, depois onde havia livros, e crianças-lágrima , aniversários de linhas. Também ideias.
Dividimos as tarefas do afeto: Um dizia o outro cantava. Algum tempo antes, com os comparsas, alagamos as regras da, escrevemos histórias, tapamos o sol para vampiros, e, gratos, devolvemos a poesia ao povo. Natal muitas vezes ao ano.
Algum tempo depois, a Professora Laurinda – Ninita – falou-me dos silêncios da mãe e do mar, fundiu um chá que a madrugada não arrefeceu, mostrou onde há bolos frescos quando não há e confiou que aquele garoto viesse a ser adulto que merecesse.
Sabemos o som do que corre debaixo de ambos, das águas frescas, da cor das melancolias quando correm na pedra.
Tem-me ensinado quando perto e agora e ainda sempre. Aproximou-me mais ainda dos meus amigos porque lhes apontava as belezas. Dá-me saudades do que queríamos para todos e, também me dá, simplesmente, saudades.

O sangue

O sangue que vai,
Celta, antiquado, indolor
Corre para outro
A notar o mesmo perfume,
A anotar obrigado e amanhã, 
De surpresa.

O sangue que vai,
Primeiro, aventuroso, solitário
Corre para alguém
A aquecer as manhãs já
Quentes, mais ainda,
De suspiro.

O sangue que vai,
Montanhista, rosé, quando
Corre para a memória,
Assustado e em sonhos,
A pulsar a distância
De vez.

O sangue que vai
Ideia, chocolate, obstinado
Corre para ti.
Em mãos impávidas
A escorrer, verdade,
De aflitas.

“É impossível ser feliz sozinho”.

Atento à Beleza

Atento à beleza
Me deito e
não durmo.

Cai da boca 
dos anjos
a pena de cisne:
- Comichão d´alma?
- Recriação dos sonhos.
- Ameaça de vento?
- Caminho do sim.

Água inteira

Água cai inteira,
aparece por dentro
de mim
A afogar - nem sei,
A limpar saudade.

Fica-se na espuma,
Na parede dos sons,
No vocação do gesto,
sem culpa.
E tu não estás.

Se eu pudesse,
trocava contigo:
Me matava e te paria
Em luz.

Para tanto

Pulo da árvore quieta
Para poente,
Para o pulso
De quisera.

Animal da alma
Pedida, questão
De olhos e sede,
Pelo menos.

Pulo da árvore castigada
Para sempre,
Para tanto
De indeciso.

Emma

Antes de nos conhecermos conhecia as notas Souza Lima cobrindo a minha terra - os dedos da Emma melhorando-nos, se pudéssemos.

Num Abril de madrugada, bar que já nem é, nos apresentamos ao ritmo dos Deuses, devagar. Num Abril anos depois, muitos bares então, o empurrão gentil para o desafinado, a boemia familiar no papo perfeito, os medos-cidade vencidos à conta de sorriso.

Num Abril de tarde clara, a maior festa dos homens, a graça do Chico, a caipira, a feijoada feliz – tempos sem fim para digerir carinho e graça, dores recentes e espantos antigos, piano total, possibilidade vezes sete. Nos Abris esticados, multiplicados, em flor, agora: os amigos, (até os chatos dos amigos), os Debussy, as ementas Louvre, os sabores Calábria, a pureza das paredes, o violão de piscina, os duos insuspeitos, a pizza que quase, o regresso do filho, whiskynho abre-sonhos, a vitória de Chopin.

Por muitas estações, Abril a Abril, queremos essa Emma certeira, poesia com calor – onde está o ar maldito? – conselho sabido, sabedoria de ter visto, alegrias juvenis.

Enumeramos a memória para alinhar os desejos, para merecer um pouco mais, neste caso a Emma, sempre a vida.

Cansaço das Pérolas

Cansaço das pérolas
- Jovem é o Sol! -
Bêbadas e crentes no sinal,
Enquanto há cidade.

Pérolas a fechar mar
Antes do milagre completo,
Destilado dia
Sempre que tenta,
E insiste.

Regresso lento
ao momento anunciado,
(escrito e combinado)
Em que do primeiro pé
Nasceu a vontade.

Anotar

Sempre tenho a sensação de que te escrevo pouco, ou quando muito, muito mal.
As tuas pernas no banco-cozinha dispensam que se cruzem rimas. O ritmo perde tino quando respiras no ouvido e vens e voltas e vais. O que escondes olhos nos olhos é tanto, que pouco serve perseguir o reverso. Os teus cabelos no espelho pecaminoso são os teus cabelos no pecado espelhado - não há margem para comparações.
Hipérbole não se encontra, nunca vi nada assim. Eufemismo é inútil, porque os outros também adivinam de espreitar na rua, na janela, na sala, no museu. Declarar coisas do amor, paixão, tesão, pode ser, é sempre, mas não. Sorris porque sabes antes de mim.
Vários dias, acordo de madrugada para roubar poetas treinados, para importar de línguas para ti, para verter tempos. Mas eles, se sonham, não te encontraram. E eu, se vivo, perco a chance de anotar.

Natal não é todos os dias

Natal não é todos os dias, mas é nos dias realmente bons, que não chegaram a ir.
Dia que queira ser Natal tem que ser grato e atento e nunca sozinho. Dia que queira mesmo Natal no corpo, dispensa decoração, o frio a ideia. Fica-se por sentir sensações simples, o abraço, a mão, e não disfarça sua abrilisse, o seu junianismo, porque, finalmente, não precisa. Dia que queira ser Natal chama estrelas ao almoço e vê reis nos que passam. Dia que queira ser natal nasce pobre, a meio do caminho, treme depois porque sabe que está sendo, mas não se deixa deslumbrar. Dia que queira ser Natal tem que perdoar os outros dias, o barco que virou, a vela que ficou, a injustiça das tradições e a leveza do pecado. Dia que queira ser Natal desfaz o pão e constrói o homem sem esforço, diz com sombras chinesas ou nem diz. Dia que queira ser Natal não conta. Não se conta – irresumível -não olha o relógio de parede e percebe que o bom é brincar depois rir, estar perto.
Dia que queira ser Natal toca nas rugas, muito adulto quando criança muito bebê quando crescido, dispara luz contra o tempo e espera, sem ansiedade, um milagre.

Houve um tempo

Houve um tempo em que sabia dizer coisas sobre as estrelas, resumir história do Homem e ler passados veia a veia no futuro. Sabia apontar lendas enquanto caminhamos, inventar danças de estátuas, saias e pedir o fim do olhar. Sabia montar templos no recreio, fazer poções – quem queira experimentar – sabia escolher tela de abrir boca e no fim imaginar. Sabia jeitos de cachecol, falas gregas e fogueiras, sabia de não lembrar quantas vezes eram primeiras. Sabia flautar-reger, sem nem ter triângulo ou um sino, sabia do castelo como fora quando ele era menino. Sabia passagens secretas, minas, quarteirões sem chegada, sabia treinar sem fazer de ti a namorada. Sabia anotar letras, compor a selva a antiguidade, sabia tentar na garagem uma grade,grande cidade.
Agora, tu de preto, ontem às sete, te olho e sorrio, sem saber. Abres a janela um pouquinho mais e deixas o tempo – se houvesse – sair.

Dia do i

o teu i está dominante hoje:
dia do i.

hoje é dia do i,
disseram não vi.

se pressentisse parava,
se encontrasse não dava, dei
hoje é dia do i

cheguei mas não quis
não tentei e deu
i deu.

pobres as palavras que se resolvem
sem pedir
ricas as palavras que de tanto
ninguém diz

diiiz. diz comigo:
hoje é dia do i.

Saudade de Portugal

Saudade de Portugal

Não saí daí nem percebi
Onde cheguei.
Não saí daí nem escolhi
Como acordei .

Inventei colina,
Escondi sina vã
Só de adiar.
Mergulhei em Ouro,
Falseei tesouro
A disfarçar -
Pra te roubar.

Não saí daí nem anotei
Como rezar.
Não saí daí nem naufraguei
Onde esperar.

Casa-mãe,
Pátria sem saber.
Aí tem
Sopa aquém
Recordação
De renascer

Não saí daí nem desculpei
De te esquecer.
Não saí daí nem confessei
Novo prazer.

Verde chão,
Cheiro a pão
De alimentar
Saudade.

Perigo: texto muito longo no caminho

O discurso das gerações é inconsequente e impreciso. Inconsequente porque precisamos é de derrubar fronteiras. Impreciso por ignorar as fronteiras antigas, mais farpadas, como as de classe, género ou região. Mas para o argumento grosseiro que se segue servirá. Abaixo fico menos polido do que me ensinaram e muito pouco justo. Por uma boa causa.

A geração que assistiu adulta aos 25 de Abril com um misto de não sei e de tremenda esperança, lembra bem a pobreza e melhorou bastante de vida. 1/6 conseguiu ver os filhos formados no ensino superior, comprou as coisas que conhecemos e não se envolveu civicamente tempo suficiente para garantir que qualquer governo pós 1991 combinasse preparação do futuro (reformas), aumento de competitividade e crescimento económico sustentado: Entramos na Europa de cabeça (moeda mais) sem uma estratégia de como aguentar aquele barco, vimos a demografia inverter-se sem conter as pensões mais altas, incentivamos consumo interno enquanto as exportações emagreciam, e o investimento de privados e estado foi conduzido por este último para construção civil. Depois de terem adormecido na constituinte, com aqueles senhores da academia, das letras, das ideias, sofrem de verdade ao acordar num pesadelo de incompetentes que agora preocupa muito filhos, afasta netos e corta. Ainda bem que havia Solnado.

A geração que assistiu criança ao 25 de Abril, com um misto de isto é fixe e quero mais, esteve no coração da mobilidade social produzida, acedeu a um ensino superior expandido à pressa para atender às demandas da democracia (alguns meninos tirando licenciaturas em Universidades que já não existem ou com cursos já eliminados), ingressou na função pública precisada de “quadros especializados” e nas empresas (num cenário em que as mais fortes estavam nacionalizadas). Comprou casa com juros baixos, carro cedo, aprendeu inglês suficiente para as viagens de estudo, e conseguiu emprego nos serviços, que segundo declaração do, então PM, seriam o futuro. Formação subsidiada, consultoria nas grandes vacas, telecomunicações, advocacia no país do inferno tribunalesco, comércio. Muito bem. Envolveu-se politicamente (amostra pequena) no enquadramento 2 partidos mais 1 só se, e outro só se se. Constituí a juventude dos regimes, município distrito, e o IPJ festejou. Agora está no poder, sem ter aprendido a produzir riqueza ou a poupar, ou a lembrar como é ser pobre mesmo, com aquele mesmo inglês mais ou menos no mundo globalizado e todos olhando para ver no que dá. Não dá. Ainda bem que tivemos Herman José.

A geração que nasceu com a Europa e era adolescente no 11 de Setembro sentiu cheiros de tudo pode ser. As cidades minúsculas com rotundas bonitas, Expo 98 incrível, muito azul, tantos continentes para carimbar, livros escolares novos todos os anos, lancheiras com os desenhos animados, 2 canais, 3, 4, 200, dinheiro para uns doces, para os bilhares, consolas, computadores, o primeiro ministro a demitir-se no pântano, a fuga cultíssima de tanga para Bruxelas, o PM bem intencionado mas Kadoc, o papagaio do pântano 100.000 a parecer fazer coisas, Scolari, mas afinal não, é a sangria, o Magalhães, o Chávez de rumba, crise muita crise, ah, mas a outra é velhota. já não dá para pagar tudo mas dá para pagar parte, temos que ir embora. Ou quero ir embora, isto não chega, quero mais. Ou: ou vais embora ou mando-te embora. Ok. Ainda bem que tivemos Gato Fedorento.

Enquanto os actuais governantes estão a tentar perceber como pagar a conta de uma festa descontrolada e linda (mortalidade infantil para o brejo, reinvenção do têxtil e calçado, infraestrutura perfeita, miséria e desemprego minimamente protegidos,etc), não deveria a nossa geração estar a pensar junta como ultrapassar os dilemas estratégicos que em 15 anos serão os nossos? Eles somos nós. Ninguém cresceu a sonhar ser o pior governante da história. Exemplos de questões a pipocar.

• O cluster da saúde foi criado, o do mar foi falado, o das florestas foi defendido. Quem articula? É possível? Seriam clusters nacionais ou ibéricos, ou europeus?
• Não nascem crianças. Que emigração queremos receber? Como a atraímos? Para onde precisamente?
• Muitos menos querem ser padres. Que organismos substituirão as IPSS da igreja? Com que mudança de paradigma? Com que inovação social para majorar efeito com custos controlados e gerando autonomia? Em contexto de projectos nacionais ou internacionais?
• Com o crescimentozinho nacional que há-de vir e os tumultos no globo que se imaginam, poderá haver nova geração de “retornados”? Como recebe-los? O que aprendemos com 74/75?
• Ninguém pensa em Portugal quando pensa no estrangeiro. Que diplomacia vale mesmo? Onde se esgota a súbita diplomacia económica como exclusiva?
• Temos muito mar. Somos porta de entrada para turistas e emigração temporária mas droga e armas também. Como defender um mar nosso (estas milhas e estas e olha estas) se não o patrulhamos? Que novo papel para as forças armadas depois do corte e corte?
• Ainda não acertamos na educação. Não estabilizamos o mínimo que é preciso saber, não demos liberdade com meios, não envolvemos mesmo a comunidade, não sabemos como avaliar os professores, não estancamos o abandono. Como a prioridade é juros e dívida e é mesmo, como preparamos a base para uma educação de excelência em pouco e de ferramentas mentais para tudo?
• O sistema cientifico gatinha. Há dinheiro, dá-se, não há tira-se. Doutoramento em quê ? Vai mesmo acrescentar a que campo? Que interface tem para outros? Que potencial para inovação tecnológica? O que é prioritário? O que pode trazer ganhos e em que tempos avaliamos? Em que redes nos integramos? Em que vitórias temos o nosso quinhão?
• ... (isto não pára) Que outras?

Sei que neste livro de caras há muitos que, ao contrário de mim, não são simplistas e estudam coisas e sabem ou saberão. Contem, por favor. Comecemos a exercitar cedo. Sem a preguiça daquela esperança que só espera.
Há Portugal Porvir no Portugal por vir.