segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Da vida

Espero um bocadinho antes de dizer, mas digo – não sei que quero da vida. Ela olha de lado, abana a cabeça e ri-se.

Sei da vida que quero sentar-me escadas a conversar, descer onde for preciso, levar ao colo.  Sei da vida que quero adormecer no sofá, abrir o vinho e dar a provar, reconhecer o fundo e a Catedral. Sei da vida que quero um dia inteiro de caminhada, um dia inteiro de rede e meio dia a escolher. Sei da vida que há aviões e lugares e barcos e esquecimento e bandidos e princesas, sei que quero ver.

Sei da vida que quero gomas no escuro, woody no escuro, clint no escuro, nichols no escuro, luz no corredor. Sei da vida que quero saber das coisas castanhas e com pó, das coisas de passadeira, de apertos de mão que salvam. Sei da vida que quero estar.

Sei da vida que quero às escondidas, mão devagar, pele e suor, fruto para encostar os dentes. Sei da vida que quero saltar, mas cuidado, quero uma esplanada com vista para ti, quero um sumo de maracujá a saber a maracujá. Quero um galho-espada, correr atrás, fazer de conta, saber que o porco é urso que o urso é vaca e por aí. Quero entreter os dias com cócegas e histórias de ontem à tarde.

Sei da vida que quero os meus, quero muito. Eu sabia lá. Quando falava da vida – agora só digo que não sei – eu sabia lá. Sei da vida que quero voltar e encontra-los.

Sei da vida que quero ver estrelas, ideias de mudar tudo, rebeldias, franquezas que magoam mas sabem bem e estão certas, o quanto as humanices podem estar.

Sei da vida que quero a ponte a pé, a ponte a carril, a ponte a passar.

Sei da vida que quero ficar cansado para te encontrar lá em cima, ficar perfumado demais para te encontrar lá em cima, decorar discursos e esquecer para te encontrar lá em cima e descer a assobiar.

Sei da vida que quero cores vivas e cafés e rodas gigantes e crepes. Quero saber de homens sem orelha, de caçadores de leões, de insulares a brincar aos continentes, de surdos a fazer-nos renascer, de funcionários-poetas e de quem ponha algodão na boca para nos fazer acreditar.

Sei da vida que quero uma mesa longa, bancos corridos, vermelho, verde, amarelo que dizem branco, amarguices doces, palavras de ordem-de-rua no tecto, folias de vamos lá que a gente aguenta. Sei da vida que quero sair da porta e sinatrar a calçada e ouvir xiu.

Sei da vida que quero tábuas para pisar e panos para espreitar ou então churrascos ou então o chão do teu quarto.

Sei da vida – eu sei lá - que a vida corre e a gente caminha.

Sei do querer que ora se perde em atalhos ora espera que ela, a vida, volte. Para agarra-la pela anca e encostar com jeitinho. 

(2012)

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