domingo, 10 de novembro de 2013

Gosto do Porto

Gosto que o Porto seja, assim, pequeno de atravessar as memórias completas em passo marcado, e que bom o frio de puxar menina para perto sem pedido ou oferta.
Gosto que o Porto tenha tempo. Tempo para trabalhar, para almoçar, para criar bares e museus antes de tempo ou para atrasar as loucuras da pátria. 
Gosto que o Porto tenha a dúvida na ponta da língua, alergia ao exagero e confiança amiga até que. 
Gosto de andar pelo Porto e de gostar das pessoas do Porto. De quem no Porto me dirige no mercedes com nostalgia de ditadores, ou me traz mal passado o bem querido, ou me conta vidas bem além da conta. Nada disto é de melhor ou de pior no Porto. É de preferência. 
Gosto da traquinice da abordagem no Porto. Raramente imediata, censurada pela malta, e sempre com um fundindo de vergonha ou de garrafa - o jeito da gente se declarar sempre para sempre muito antes de concedida a mão e afins. 
Gosto dos homens cultos do Porto. Uma cultura de língua esculpida, contundente, longa para as homenagens, seca para o protesto. Gosto dessa memória dos heróis geracionais - os que contam mesmo - o Zé, o Óscar, o Carlos que já nem está entre nós. Dos que se comovem tremendamente quando tem que ser e viram a cara por educação.
Gosto da relação zangada que temos com um tempo que não é tão mau assim: os de outros lugares sabem e preparam-se, os estrangeiros nem reclamam. Mas a gente não se conforma: que merda chuva, caralho. É que nos chateia a perda da possibilidade. 
As ruas do Porto são estreitas, quando são, mas a coragem ali é larguíssima. Gosto desse sangue na guelra, respiração de quem está preparado sempre para a guerra que venha, e por isso mesmo se senta com os amigos ou com os filhos ou com a amada, olha todos nos olhos e come descansado. 
Gosto do Porto que me permite este tipo de inocência depois de o alugar oito anos, depois de o esperar dezanove, e depois disto.
Ainda fico muito nervoso com as mulheres do Porto. Parecem-me que sabem tudo o que é preciso saber e não perdoariam. 
Gosto do Porto porque não é preciso dizer carago, nem é preciso comer sardinhas com cabeça. Não digo nem não como. Gosto do Porto porque me deixa voltar.

(2013)

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